terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Tal como nascemos...

  Durante dias fomos bombardeados com uma série de descobertas de corpos de idosos, mortos nas suas próprias casas. Alguns deles encontravam-se nesse estado a algum tempo.
Não me admiro afinal... qual o espanto de as pessoas morrerem sós se foi assim que viveram a maior parte das suas vidas?
O que me espanta, apesar de já não surpreender, é a constatação do poder dos media. Depois de um idoso ser encontrado, e essa notícia ter despertado a atenção de todos, seguiu-se um verdadeiro «descobrimento» em cadeia de cadáveres. O que chocou uns passou a ser notícia quase diária de rádios e tvs. Mais que não seja esta «notícia» serviu para o bem da saúde pública. Todos os que, a algum tempo, não viam determinado idoso, que vivia sozinho, equacionaram a possibilidade deste estar morto, na sua própria casa. Lembraram-se porque viram os casos na televisão. Colocaram a hipótese da possibilidade de um corpo (um pedaço de carne) estar a apodrecer dentro de uma casa. Não se lembraram quando ele ainda tinha vida, fome, dor e frio; quando era mais do que simples matéria. Não era conveniente. Dava trabalho, perdia-se tempo e poderia dar despesa... em medicamentos (por exemplo) afinal quantos idosos, actualmente, deixam de comprar medicamentos para... poderem comprar comida? Muitos!
Assim como ninguém se lembra das crianças que vão para a escola sem comer. Daqueles que roubam o lanche aos coleguinhas por fome (isso acontece diariamente em algumas escolas deste País e disso tenho testemunhas!).
Estas pessoas, que já foram novas, contribuíram para a economia do seu país, fizeram os seus descontos, trabalharam toda uma vida. E tiveram direito a quê? A morrerem tal como nasceram... sós!
Não tiveram direito a passarem os seus últimos anos comodamente instalados num lar (algo impossível, tendo em conta o preço dos legais e tendo em atenção, também, que quase diariamente são encerrados uns tantos, mais baratos e nem sempre maus, com a desculpa de não terem condições).
"Aceita tudo o que vier a ti entretecido no padrão do teu destino, pois que outra coisa poderia responder melhor às tuas necessidades?" Há 2000 anos, Marco Aurélio, escreveu isto. Mas foi há 2000 anos! Recuso-me a aceitar o que me querem dar, ou neste caso o que não me querem dar.
Tenho direitos porque cumpro os meus deveres. Recuso-me a morrer sem assistência médica. Tenho direito a ter um sistema de saúde público digno. Não admito ouvir, como já ouvi, às tantas da noite, da boca de um médico que mal me conseguia perceber, para um familiar meu tomar um ansiolítico pois assim dormia e esquecia a dor que estava a sentir. Quando soltei uma gargalhada, ele perguntou-me qual a parte que não estava a perceber, respondi-lhe que percebi tudo mas não concordava, virei costas e bati com a porta. Pedi o livro de reclamações. Não é isto que merecemos!
  Não era este o final que estes idosos mereciam... estes idosos que, provavelmente, já tiveram uma «família».. A mesma que volta agora, após a sua morte, para reclamar (o que dizem ser seu por direito) os bens materiais.
Afinal sós ou não... é assim mesmo: sós nascemos e sós morremos... a distância temporal que vai de uma coisa até à outra é que faz toda a diferença!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Esta noite

Por mais esta noite...
hipotequei uns quantos minutos de vida...
troquei umas quantas músicas
rezei a alguns Deuses
de aquém e além-mar.

Esta noite
serei só tua,
sem palavras, sem letras,
sem porquês...
Tal como as estrelas são do céu
e as conchas do mar...

Em troca de apenas umas horas
concedo-te um pouco da minha alma.
Agarra-me esta noite
mostra-me o quanto eu perdi
revela-me todos os segredos...
... conta-me todos os tesouros.

Por mais que tente... não entendo.
Tamanho êxtase será real?
Ou não passará de uma alucinação?
O meu corpo diz que esta é a verdade...
... a minha e a tua.

Esta noite todo o tempo será nosso.
Mesmo que o amanhã não exista,
mesmo que depois o nosso mundo acabe.
O crepúsculo sobeja nos nossos olhos.
Quanto mais anoitece... mais perto estou de ti.
Quanto mais escurece... mais estou em ti.

Em troca destes momentos
nada fica para contar.
As palavras são poucas para narrar
todo o desejo da nossa pele...
toda a fome da nossa alma,
todo o prazer dos nossos corpos.

Por mais que o relógio ande...
Esta noite as horas são nossas...
Em troca de recordações...
Por mais que faças...
Esta noite és meu
... Em troca sou tua, também.                                                                                           

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Importâncias


Com estes olhos abarco mundo, este e outros, rio e choro. Amo e odeio. Não quero saber se são bonitos ou feios, grandes ou pequenos. O que importa mesmo? O que interessa o carro que possuis ou a casa que ambicionas? O que interessa se arrastas "Louboutin" nos pés ou vestes «Chanel»? Porque precisas de «Limoges» nos armários? Serão importantes todos os restaurantes famosos que frequentas, as jóias que ostentas e os sítios que conheces?
Estes são os meus olhos. Aqueles que te diferenciam no meio da multidão. Aqueles que escolhem o que querem ver e ignoram os indignos... de serem contemplados. Qual a importância do que estou agora simplesmente a escrever, do facto de estar frio ou calor... de comprar mais um livro ou um novo CD... ou de fazer rimas, por vezes forçadas, de tão amargas e despidas, de tão vazias?
É com estes olhos que te vejo. São estes olhos que penetram o que de mais profundo existe em ti. De que serve todos se importarem com banalidades... com futilidades... enquanto algures alguém se depara com questões tão importantes como a vida e a morte, a frágil fronteira existente entre ambas?
São estes olhos que desprezam o oportunismo, o consumismo... o egoísmo. São igualmente estes que tomam a vida no seu brilho e dela fazem um cavalo desta batalha.
São igualmente eles que, tal como este «escrito», separam o pequenino do fulcral.
Algures numa das tantas casas que pintalgam esta bola colorida... alguém debate-se com duas eventualidades, eu diria mesmo possibilidades: o nascimento de um novo ser e o desaparecimento prematuro de um outro. Estes olhos, da cor da terra, se assim for, vão beijar um e dizer adeus a outro, mesmo sem o conhecer. O que importa tudo o resto? Banalidades de certo!