quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Certezas

  A propósito de certezas edificaram-se leis e ciências... criaram-se juras eternas, no entanto não infinitas.
  Como certeza... nem a mim me tenho. Quem é esta que acorda repentinamente  meio da noite porque sonhou com um amontoado de palavras que procuram, sem descanso, uma folha? Quem é esta que se entristece quando é suposto ficar contente? Ou que se contenta... por, ao fim do dia, no Inverno, ver o mar, as gaivotas... o sol que foge e os pescadores que chegam à praia?   
 De certo só tenho a senhora que me espera, de negro vestida... nada mais é tão previsível... tão concreto. Deixei de a temer... quando isso aconteceu venci uns quantos outros temores, vazios. Quando sobre mim ela avançar... será demasiado tarde para ganhar outras certezas e demasiado cedo... para perder as poucas que erradamente tomei como certas.
Até a senhora chegar... tentarei ter a certeza da minha certa (?) existência...




sábado, 18 de dezembro de 2010

Hoje... ou depois talvez...

Também hoje (e em todas as ausências de mim mesma) é em ti que penso. És tu que habitas as minhas canções e naufragas num ou noutro lugar. Quando as minhas mãos procuram as tuas... encontram mil luas e outras quantas estrelas quentes.
  Mais do que um todo buscam uma realidade, um momento ou uma concretização. Um episódio, que se somado a tantos outros constituem uma vida, uma novela, uma história.
 Eu que normalmente sou constituída 99 por cento por abstracção... busco em ti a materialidade que abomino, a realidade do teu corpo.
 Hoje ou depois talvez... ignorarei a alma e quero, somente, a parte bestial da Humanidade. O teu rosto, pouco nítido, não importa... o teu nome muito menos. Não me interessa sequer como és. Anseio pela presença clara do que és.  Enterrei obsessões, cremei dúvidas, encerrei medos. Não quero saber!
  Hoje... só eu, de mim e para mim... por ti.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ladainha

   No feriado, por mero acaso, entrei numa igreja na capital. Muito bonita sem dúvida, em plena baixa lisboeta. Gosto de igrejas. Gosto, não pelo peso da religiosidade que acarretam às costas, mas pelas magníficas obras arquitectónicas que são. Esta remonta ao século XVIII, estilo tardo-barroco, neo-clássico. As pinturas que tem no tecto representam as três «virtudes cardeais»: Fé, Esperança  e Caridade. O nome do templo remete para o nome de um santo (vulgarmente apelidado de Pai Natal).
  Para minha desgraça, ou melhor, para o enriquecimento do meu tédio, decorria uma missa... o habitual levanta-senta. Confesso que se outrora tinha paciência para respeitosamente cumprir o preceito, agora já não tenho, pelo contrário dá-me uma imensa vontade de rir ver tão degradante rito/frete repititivo... como é evidente não o fiz, sobretudo pelas pessoas que me acompanhavam e que não partilham, feliz ou infelizmente, desta  minha opinião.
  Impressionou-me sobretudo ver uma senhora de joelhos desnudados ajoelhada na pedra fria e secular. Mais do que isso impressionou-me ver um sem-abrigo em cada esquina, de cada rua, da Baixa.
  Dentro da igreja estava quente e cheirava a incenso. Enquanto a ladainha continuava, eu olhava à minha volta e fazia contas: Quantas pessoas sem casa caberiam naquela igreja? Quantos colchões seria possível abrigar naquele tecto? Eu já disse que na igreja estava quente?
  Quando chegou a altura em que a lengalenga é interrompida e fazem passar um saquinho para recolha de dinheiro... não consegui evitar o tal sorriso e imaginar que o saco deveria ser “azul“ e não vermelho.
 Na rua estava frio e a igreja, quente, ficou vazia. Se eu acreditasse Nele também acreditaria que Ele não gostaria que assim fosse. Certamente que preferia ver serem colocadas em práticas as tais «teóricas» virtudes, Fé, Esperança e Caridade, tão magnificamente representadas por um pintor, nesta igreja (do santo padroeiro das crianças e da pobreza); esta, que apenas serviu como exemplo, por eu lá ter entrado nesse dia, e em todas as outras por esse Mundo fora.
  Acreditaria, se fosse crente, que Ele, tal como eu, prefereria humanizar o catolicismo.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O xaile

O dia acorda... os desejos com ele partiram... e o relógio com ele se quebrou. Mais uma página do calendário se muda, mais um ano que se aproxima do fim. Os sonhos criados e derrubados já não são sequer chorados... neste momento constituem barreiras ultrapassadas... e sobretudo “conformadas“.
Não acredito em destino... nem sequer em providência... creio, contudo, que tudo acontece por alguma razão... e, por isso, procuro fazer das mais pequenas coisas lições, ensinamentos que fazem parte do processo de crescimento.
Tal como as pessoas que aparecem e desaparecem das nossas vidas... elas sempre existiram em nós, ou então, aparecem em momentos concretos de forma a mostrar-nos algo, que podia ser de uma maneira, mas que acaba por ser de outra... por vezes sem razão aparente, outras porque não poderia ser diferente. É fantástico como, no meu caso, as pessoas aparecem com as suas diferentes histórias exactamente no momento em que procuro respostas concretas... ou quando estou prestes a tomar uma decisão... na minha própria história. Não acredito em coincidências, mas sim em atracções... pelas semelhanças, pelas diferenças.
  Hoje, à semelhança de ontem, não conseguirei finalizar todas as leituras que tenho por acabar; serei incapaz de pintar aquela tela... apenas quero esconder as mãos sobre o xaile cinzento... e ficar assim... a observar o Mundo, a ver como este se altera a cada segundo... como espectadora... narradora (hoje não participante). Enrolada na posição fetal, coberta apenas pelo tal xaile cinzento – que tem a importância de uma fortuna, para mim – fico assim... abstrata, alheia ao que normalmente me transtorna, ao que habitualmente me encanta ou apaixona.
Não sinto frio nem calor. Sou incapaz de rir ou chorar. Não sinto dor. Recolho-me no xaile como se de um escudo se tratasse... não é grande o suficiente para cobrir todo o meu corpo... mas é forte, quanto baste, para me proteger... para que o seu abraço me transmita aquilo que procuro desenfreadamente... protecção, abrigo, no fundo... tudo aquilo que tenho dado... sem retorno... sem nada pedir em troca... E isto não é uma queixa. Ninguém me obriga a dar o infinito... eu dou... simplesmente.
Hoje quero o xaile cinzento sobre a minha alma nua.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Cores

   Hoje tenho cores na cabeça. Antes cores do que qualquer outra coisa menos boa. Dos olhares retenho o teu castanho. 
Do preto do carvão guardo os desenhos. Das músicas aprisiono o vermelho... vemelho de sangue... sequioso de corpos!
   Guardo debaixo do colchão as cores de uma vida. A cada noite, a cada sonho, solto-as  e deixo-as dançar, de mãos dadas, neste ou naquele capítulo mais ou menos complexo. De vez em quando abro-lhes a janela e deixo-as voar para bem longe de mim... fico com o vazio da transparência, a nudez da pureza, as estrelas que lucilam no breu penetrante do céu. Eu e elas... estamos sós... brilhantes, ávidas de matiz... pigmentação, existência!
  Da minha janela consigo previlegiadamente obvervá-las... resplandecentes... sem cor, apenas brilho... claridade.
As cores, essas, onde estão? Tenho fome de vós. Que caminhos escolheram? Que letras ilustram agora? Quais os corpos pelos quais deslizam... até se prenderem numa curva, mais ou menos perfeita? De quem os lábios que beijam? Cores... clamo por vós para que para mim voltem... para que se façam em mim e, também em mim tomem forma.
 Resta-me o brilho. A luz.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Verdadeiras mentiras

  Tal como um mágico que cria ilusões e faz acreditar que o que nos parece realmente é... assim acontece com determinados episódios. É necessário acreditarmos neles para que ganhem corpo... para que realmente existam.
  Se um mentiroso for dos “bons“... pode mentir tão bem que se convence a si mesmo que está a dizer uma verdade indubitável... e a imaginação/ mentira deixa a sua esfera e passa a ocupar um espaço bem real.
  Quem se convencer que não tem medos, pura e simplesmente deixa de os ter. Querer é poder. Diante de um suposto terror o simples facto de imaginar – não a sua inexistência –  mas que este é superável por outros... facilita, e muito, as coisas. Só se vence um medo através de uma perda. Neste caso ao se perder...  ganha-se... coragem.
  Por este e por outros motivos não acredito na "doença da moda". Todos somos dotados das mesmas capacidades e cabe, a cada um de nós, imaginar os medos e superá-los. Se alguns conseguem... ou outros também conseguem... é uma questão de vontade própria... pois a capacidade está lá no seu sítio próprio. Fraqueza não deve ser confundida com doença... e não estou a aviltar a fraqueza, nem o choro, nem as “birras“ (todas essas coisas que se dizem abundar entre os "pseudodoentes da moda").
  O mais ridículo disto tudo é que se paga, gastam "rios de dinheiro", para ouvir um especialista da "doença da moda" (que não passa de outro, um estranho portanto, com iguais capacidades) dizer que não se está bem... e que deve isto e aquilo... "Com um raio!". Como pode um estranho dizer ao outro o que fazer para que este se sinta melhor? A cura para esta "pseudodoença-da-moda" não existe porque ela mesma, a denominada "depressão", também não. Eu, pelo menos, não acredito na sua existência. Simplificando: Não há antídoto se não houver um veneno.
  Imaginando uma virtual possibilidade de um qualquer desíquilibrio... a regeneração passaria por uma boa mentira do eu para com o eu (e assim volto ao princípio destas linhas)... uma mentira interior (das boas e autoconvincentes) como por exemplo: “Não tenho medo de ter medo!“. Porque das outras, das mentiras exteriores, daquelas que não são de nós e para nós... não gosto!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O velho e o cão

  Se as ciências que se dizem concretas se debruçassem realmente sobre a materialidade, aquela física que cabe no espaço das ruas, então... de científico nada teriam. Não é que eu não acredite na ciência, muito pelo contrário, até creio que ela explica praticamente tudo. O que sobra para além dela pode igualmente explicá-la assim como às suas complexas teorias. Simplificando eu diria que tudo é uma questão de nomes que se dão às coisas e aos seres que atribuem “vida“ a essas coisas.
 Estes últimos (os seres) passam a vida a complicar a querer atribuir classificações ao que não é sequer qualificável quanto mais quantificável. Ao que não é visível chamam mágico, irreal, emocional e até sobrenatural... ao restante... chamam Mundo.
Eu simplesmente não chamo. Limito-me a sentir. Hoje, por exemplo limitei-me a sentir quando vi o cãozinho aninhado sobre si mesmo protegendo-se da chuva na estação dos comboios. Limitei-me a sentir quando vi o velhinho sentado na paragem de autocarro... costumo vê-lo todos os dias... independentemente da hora que passe naquele local... ele lá está, sentado, vendo o Mundo passar por ele... hoje sentia também a chuva, o vento e o frio.
Hoje não precisei de chamar vadio ao cão nem solitário ao velhinho. E eles querem lá saber da ciência ou da religião, da metafísica ou da poesia. Muito menos de política. Senti como quem sente por estar vivo... senti o temporal teatralizar o cenário de betão construído. Cheguei a casa, quente, e sentei-me a jantar. Pensei no homem e no cão. Imaginei que podiam ser amigos e aquecerem-se nas noites de Inverno.
De que servem rótulos, nomes ou frases para tentar expressar o que se sente?
Por que chamar abraço a uma troca de energias, a uma partilha de calor? Por que chamar Matemática à ciência que me diz que o homem mais o cão são dois? Efectivações ou etiquetas humanas nada somam ao meu olhar ao vê-los... ao meu arrepio ao imaginar o vazio que neles ocupava todo o espaço... e à minha negligência por nada ter feito. Amanhã pergunto a ambos se têm fome.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

É quase Natal...

Se cada dia for simplesmente um murmurar de palavras que pedem para ser efectivadas no papel, então eu não serei mais do que um mero suporte físico das mesmas. Deixo-as correr em mim, tão naturalmente como as minhas mãos percorrem fotografias antigas e se fixam numa... mais... mais minha.

Tal como todas as segundas-feiras, esta será mais uma... mais próxima do Natal e a de tudo a que a ele se associa. Mais uma vez uma dictomia se impõe.
 Falar de Natal "chateia-me" pelo cinismo, pela materialidade, pela solidariedade para com os mais desfavorecidos, que, de repente, todos dizem sentir, só nesta época... maça-me pela obrigação de retribuição das "dádivas"... mas alegra-me por outros tantos motivos que, cada vez mais, pertencem ao leque das "recordações"... ao baú onde eles vivem e não onde estão guardadas. Vivem, têm vida própria e fazem todo o sentido.

 Aí, no seu espaço especial, no espaço dos meus sonhos, continuam a correr como outrora. Continuo a morar na casa verde com um cão dourado (meu cavalo de tantas corridas e companheiro de tantas brincadeiras). Fazem-se os últimos preparativos. Cheira a canela e a abóbora.
  Na sala o pinheirinho (neste tempo ainda iamos ao pinhal, sem remorsos, apanhar um pinheirinho) cheira a resina. As prendas amontoam-se à volta dele. Os convidados chegam... convidados que fazem parte de nós. Eu e vocês, as crianças, eufóricas, comentamos quantos embrunhos temos para abrir, mostramos a roupa nova que temos para estrear. Os mais velhos dividem-se: as mulheres, na cozinha, fritam as filhós, ultimam as couves e o bacalhau para a ceia. Os homens partem nozes, abrem figos... preparam as bebidas.
  Aquela casa, castelo de todos os meus sonhos, tem vida, ruído, cheiros. O que ontem nos unia é, exactamente, o que hoje nos separa. A comunhão, a infantilidade... o calor... a simplicidade de cada gesto que se revestia de tanto amor.
  Hoje crescemos. Infelizmente já não corremos pelo quintal... e já não uso tranças nos cabelos. Os filhos de alguns de nós não conhecerão o castelo (que hoje já não é verde) mas ainda existe, o cavalo dourado... e muito menos o cheiro a resina. A magia daquele dia em que comemorávamos para além do Natal, um aniversário... é irrepetível...
  ... A não ser que, o que era mais pequeno (hoje o mais alto de todos)  possa continuar a fazer buraquinhos nos presentes para espreitar, antes da meia-noite,  o que está lá dentro... a criança do meio continue a cantar aquelas músicas de Natal (com tantas palavras por ela inventadas) e que eu, a mais velha das três crianças, possa nunca deixar de apreciar cada pormenor, descrever cada cheiro e deliciar-me com cada surpresa, como o fazia... como o faço.
O meu cão dourado não pode mais seguir-nos nas brincadeiras. O nosso castelo encolheu (ou será que fomos nós que crescemos?)... contudo os meus sonhos continuam a caber no seu breve espaço.
  Também os nossos avós não estarão  por lá... a nossa avó não penteará mais os meus longos cabelos. O nosso avô não celebrará mais o nascimento de Jesus como o seu próprio, no mesmo dia.
  Eles não puderam conhecer as pessoas que acrescentámos às nossas vidas, os sonhos que realizámos, outros tantos que adiámos. Não presenciaram o teu crescimento, mais pequeno (certamente que os orgulharias tanto como me orgulhas a mim a cada dia que passa) e nem sequer tiveram oportunidade de ver na bela mulher que te tornaste (criança do meio). Quanto a mim (a criança mais velha) tenho a certeza, que por sempre me terem acompanhado, estiveram presentes em cada momento marcante da minha vida... em cada momento aflitivo impedem-me de cair... e aplaudem-me em tantas outras vitórias.
  Neste Natal, tal como em todos os outros da minha vida, eles estarão comigo. Neste Natal, tal como em todos os outros, vocês, crianças do meu Natal, estarão junto a mim, talvez não fisicamente... mas estarão comigo... porque fazem parte de mim, porque fazem parte das palavras que ainda formam a minha história... a que me compõe e que me faz ser assim... como sou.

O começo

Podem até ser demasiado grandes para caberem num breve espaço de uma folha. Demasiado compostas para se deixarem aprisionar num espaço concreto, numa música certa ou numa qualquer cor.
 Devido ao seu tamanho cabem apenas na alma. No não concreto, mas sim na infinitude de um olhar, na amplitude de um sorriso verdadeiro.
Quero-as como quem quer a imortalidade. Desejo-as como quem ambiciona o impossível, o seu tudo. Sinto-as como quem se dilacera numa dor agonizante... tenebrosa, pungente.
 Vivem em mim, em ti, em toda a gente. Podes expressá-las ou não. Podes materializá-las de diferentes formas... ou não... deixá-las simplesmente na gaveta da não existência.
 Quanto a mim... procuro saboreá-las... decompor os seus sabores em mil cores. Desfrutar de cada seu centímetro... cada sopro... por isso elas (as palavras) aqui ficam... façam delas o que quiserem...