segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

É quase Natal...

Se cada dia for simplesmente um murmurar de palavras que pedem para ser efectivadas no papel, então eu não serei mais do que um mero suporte físico das mesmas. Deixo-as correr em mim, tão naturalmente como as minhas mãos percorrem fotografias antigas e se fixam numa... mais... mais minha.

Tal como todas as segundas-feiras, esta será mais uma... mais próxima do Natal e a de tudo a que a ele se associa. Mais uma vez uma dictomia se impõe.
 Falar de Natal "chateia-me" pelo cinismo, pela materialidade, pela solidariedade para com os mais desfavorecidos, que, de repente, todos dizem sentir, só nesta época... maça-me pela obrigação de retribuição das "dádivas"... mas alegra-me por outros tantos motivos que, cada vez mais, pertencem ao leque das "recordações"... ao baú onde eles vivem e não onde estão guardadas. Vivem, têm vida própria e fazem todo o sentido.

 Aí, no seu espaço especial, no espaço dos meus sonhos, continuam a correr como outrora. Continuo a morar na casa verde com um cão dourado (meu cavalo de tantas corridas e companheiro de tantas brincadeiras). Fazem-se os últimos preparativos. Cheira a canela e a abóbora.
  Na sala o pinheirinho (neste tempo ainda iamos ao pinhal, sem remorsos, apanhar um pinheirinho) cheira a resina. As prendas amontoam-se à volta dele. Os convidados chegam... convidados que fazem parte de nós. Eu e vocês, as crianças, eufóricas, comentamos quantos embrunhos temos para abrir, mostramos a roupa nova que temos para estrear. Os mais velhos dividem-se: as mulheres, na cozinha, fritam as filhós, ultimam as couves e o bacalhau para a ceia. Os homens partem nozes, abrem figos... preparam as bebidas.
  Aquela casa, castelo de todos os meus sonhos, tem vida, ruído, cheiros. O que ontem nos unia é, exactamente, o que hoje nos separa. A comunhão, a infantilidade... o calor... a simplicidade de cada gesto que se revestia de tanto amor.
  Hoje crescemos. Infelizmente já não corremos pelo quintal... e já não uso tranças nos cabelos. Os filhos de alguns de nós não conhecerão o castelo (que hoje já não é verde) mas ainda existe, o cavalo dourado... e muito menos o cheiro a resina. A magia daquele dia em que comemorávamos para além do Natal, um aniversário... é irrepetível...
  ... A não ser que, o que era mais pequeno (hoje o mais alto de todos)  possa continuar a fazer buraquinhos nos presentes para espreitar, antes da meia-noite,  o que está lá dentro... a criança do meio continue a cantar aquelas músicas de Natal (com tantas palavras por ela inventadas) e que eu, a mais velha das três crianças, possa nunca deixar de apreciar cada pormenor, descrever cada cheiro e deliciar-me com cada surpresa, como o fazia... como o faço.
O meu cão dourado não pode mais seguir-nos nas brincadeiras. O nosso castelo encolheu (ou será que fomos nós que crescemos?)... contudo os meus sonhos continuam a caber no seu breve espaço.
  Também os nossos avós não estarão  por lá... a nossa avó não penteará mais os meus longos cabelos. O nosso avô não celebrará mais o nascimento de Jesus como o seu próprio, no mesmo dia.
  Eles não puderam conhecer as pessoas que acrescentámos às nossas vidas, os sonhos que realizámos, outros tantos que adiámos. Não presenciaram o teu crescimento, mais pequeno (certamente que os orgulharias tanto como me orgulhas a mim a cada dia que passa) e nem sequer tiveram oportunidade de ver na bela mulher que te tornaste (criança do meio). Quanto a mim (a criança mais velha) tenho a certeza, que por sempre me terem acompanhado, estiveram presentes em cada momento marcante da minha vida... em cada momento aflitivo impedem-me de cair... e aplaudem-me em tantas outras vitórias.
  Neste Natal, tal como em todos os outros da minha vida, eles estarão comigo. Neste Natal, tal como em todos os outros, vocês, crianças do meu Natal, estarão junto a mim, talvez não fisicamente... mas estarão comigo... porque fazem parte de mim, porque fazem parte das palavras que ainda formam a minha história... a que me compõe e que me faz ser assim... como sou.

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