quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sorriso

Quando mais uma noite vier,
uma insónia se instalar
e uma flor murchar... eu estarei aqui...
talvez azeda, um pouco mais amarga do que ontem...
estarei deitada do meu lado.
Vendo o sol nascer
sem dormir,
sem comer.
Por muitos planetas que corra,
muitos quadros que pinte,
muitas flores que cheire...
nada se compara...
ao cheiro do nascer de um dia de Verão
a entrar no meu quarto...
a tomar posse do meu corpo
a domar as minhas palavras...
e a dançar com todos os meus sentidos.
Rebolo sobre mim...
deslizo sobre os lençois de algodão,
com cheiro a fresco sabão,
levanto-me e, de pés nus, aprecio o chão frio...
abro a janela...
e retribuo o sorriso do Sol.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Crenças


  Porque continuo a acreditar nas pessoas? Pois não sei. Esforço-me para nunca o deixar de o fazer. Por vezes quase desisto. Isso acontece quando reparo em coisas que, realmente, parecem-me completamente descabidas. Tenho vontade de mudar de planeta quando me cruzo, como alguém disse, com pessoas «tão habituadas ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhes chega e o acessório tornou-se indispensável».
  Por vezes julgo que estou completamente desactualizada... ou será que, agora, os tempos são realmente outros e tudo se faz mais precocemente?
Todos os miúdos (pequenos) têm uma intensa vida social... não há uma abençoada semana em que os papás não tenham de andar de trás para a frente a levar e a trazer criancinhas a casa uns dos outros. E os adolescentes? Uma festa de aniversário de adolescente que se preza não se realiza em qualquer lado e é vedada a pais. Só aceitam tecnologia de última geração, só estudam em escolas privadas, só vestem roupa de marca e ler... só o menu do Macdonald's... pois... a maior parte são gordos, caminham para obesos de comando de consola na mão, sentados no sofá... horas a fio... dias a fio... que se transformam em anos. Comunicam por abreviaturas e vulgarizam palavrões. Vulgarizam também outras palavras, bonitas, roubando-lhes o significado por tantas vezes as repetirem... em vão.
  As pessoas decepcionam-me sobretudo pela sua superficialidade. Não sabem dizer «não» aos seres que devem (porque escolheram conscientemente essa opção) formar para o Mundo.
  Estes crescem como seres consumistas, egoístas e iletrados. São sobretudo descartáveis: usam coisas e pessoas quando lhes são proveitosas, novas, úteis; depois deitam-nas fora. Este mal não é só das novas gerações... infelizmente! Os que assim não são, raras excepções, são apelidados de «betinhos» ou, como se dizia antigamente meninos-queques.
  Não me importo de o ser. Muito pelo contrário. Sou, certamente, pois continuo a reparar nos outros e a acreditar neles. Não deito comida fora. Continuo a gostar de abrir um livro e saborear cada página... o seu cheiro... o seu toque. Continuo a guardar uma caixa de madeira (um pequeno baú) com coisas que aparentemente parecem lixo: bilhetes de cinema, de avião, de espectáculos, de entradas em museus.... de eléctricos.... contas de determinados restaurantes, flores secas, pedras, conchas, postais, bilhetes manuscritos... cartões de flores... coisas que toda a gente deita fora... mas que eu guardo e cada uma delas simboliza um momento especial, marcante... coisas velhas, por vezes amarrotadas, simples pedaços de papel... que ninguém percebe o que significam... apenas eu. Desactualizada? «Quadradona»? Certamente! Mas não me importo. Recuso-me a acrescentar «bué» e «cota» ao meu vocabulário.     
  Quero continuar a acreditar nas pessoas e que existem excepções. Acredito que nem todos pertencem à geração descartável e que se diz «à rasca». Não uso e deito fora. Dou-me ao luxo de usar e abusar... saborear, aproveitar e dependendo daquilo que se esteja a falar, conservar... mais que não seja no tal baú de madeira... de recordações ou memórias... para muitos lixo, para mim ouro. Um dia alguém deitará o meu baú para o lixo... mas eu não deixarei de acreditar... seja aqui ou numa nuvem qualquer.