domingo, 23 de janeiro de 2011

Recordo-te



Lembro-me de ti... deitada no sofá, que tornaste teu, bem junto à janela, com a tua manta preferida. Recordo o teu cheiro, o teu olhar doce e meigo... os teus suspiros.
Tenho saudades de passar a mão demoradamente no teu pêlo limpo e sedoso, preto e brilhante... e beijar esse teu comprido nariz. Quem me dera voltar a sentir, por baixo da mesa de refeições, a tua cabecinha sobre os meus joelhos.
  Quantas noites passámos juntas, quantos passeios... quantas caminhadas pela praia, quantos gelados partilhados. Diariamente, ainda de madrugada, saías da tua caminha para ires até à porta ver-me partir. Nunca quiseste saber se eu estava com bom ou mau aspecto, nunca pusseste em causa o meu mau feitio... sempre bebeste as minhas lágrimas sem perguntar de que eram feitas... se de tristezas, se de alegrias... se de dor... ou de amor.
  É esta a última imagem que guardo de ti... deitada sobre a maca do veterinário... de olhar doce e sereno... a lamber as minhas lágrimas enquanto eu te beijava desesperada... numa tentativa de me despedir de ti... numa tentativa de decidir o que fazer para não mais te ver sofrer. Parecias dizer: «Não te preocupes, deixa-me dormir... eu ficarei bem!». Esta foi mesmo uma das mais duras decisões que tive de tomar... uma das únicas da qual me arrependo, vezes sem conta, mas tu não merecias... não merecias sofrer... ter ainda mais dores... sem te queixares... nunca.
  Quando foste atirada, ainda com meses, para dentro do quintal do avô... nunca imaginei que te tornasses numa amiga tão grande (apesar de «apenas» pesares 30 kg)... Lembras-te quando ficaste grávida e não conseguiste ter os cãezinhos? Depois da operação deixaste de comer... eu sentava-me junto a ti e durante duas horas diárias... «obrigava-te» a comer grandes «pratadas» de uma papa para crianças; com uma seringa introduzia-te a papa por entre os dentinhos e pronto... voltaste a ficar linda e cheia de apetite, como sempre.
  Nunca me importei quando roías os tapetes... e comias os cortinados... e nem queria saber quando criticavam as tuas formas, demasiado redondas. Carreguei-te, quase sem ter forças, quando te doíam as articulações; nessa altura o teu focinho já não estava completamente preto.
  Todos os 15 natais desembrulhaste, à semelhança dos restantes membros da família, a tua prendinha. Sempre que entro em casa sinto a tua falta... o teu sofá está vazio... e já não vens à porta receber-me.
  Será que te agradeci o suficiente? Obrigada por eu ter sido tua... por te esconderes debaixo da minha secretária, junto dos meus pés, durante longas noites de trabalho... obrigada por, ao contrário de tantos outros, nunca me teres abandonado em situação nenhuma... por me teres deixado, tantas vezes, adormecer com a cabeça sobre o teu quente lombo... obrigada... por me coçares, com os teus dentinhos, os dedos dos pés desnudados... sabia tão bem...
  Semanas antes do cancro te afastar fisicamente de mim... encontrei um pequeno gato abandonado num estacionamento de um centro comercial. Se existem coincidências ou não... não sei... só sei que o acolheste muito bem... ele seguia todos os teus passos pela casa... e tu, do alto da tua «maioridade» apenas o olhavas de lado... como um idoso observa as brincadeiras despreocupadas e alegres das crianças. Já estavas doente e eu não sabia. Julgava que apenas estavas a envelhecer. Quem me dera ter reparado antes... a tempo de algo poder fazer.
  Resta-me o tal gato cinzento... resta-me a esperança de não ter prolongado o teu sofrimento. Resta-me a tua trela de bolinhas cor-de-rosa, a tal que levava na mão... e com que saí, sozinha, do veterinário... sem ti minha amiga... minha doce e bela Diana... resta-me tudo isso e, sobretudo, as recordações... que guardo de ti.

2 comentários:

  1. "O tal gato cinzento"??? Mas isto são maneiras de falar do meu afilhado? Ai que eu zango-me... por isso e por me teres deixado de lágrima no canto do olho! Ai a miúda...
    Fora de brincadeiras... As tuas palavras fazem em eco bem sentido em mim, como bem sabes. Só quem os ama e conhece a dor de os perder pode compreender como, afinal, são eles mesmo os nossos donos e a sua ausência dói mais do que poderemos alguma vez descrever. Beijinhos grandes***... e festinhas ao meu afilhado ;-).

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  2. Minha querida quem melhor do que tu para entender estas coisas? Claro que o «teu afilhado» não é apenas um gato... é o gato Gil que me escolheu, que me esperou naquele shopping e que adoptou a minha família. Espero que faça parte dela pelo menos tanto tempo quanto os meus outros animais fizeram (Bobi-18 anos, Dog-13, Lady-17 e Diana 15,5)... já para não falar dos outros (um cagado, uma pata, que me seguia tal e qual como se fosse um cão, galinhas e coelhos, também de estimação, para além de um pombo- encontrado com uma pata partida - e piriquitos)... enfim... devo ter esquecido alguns igualmente importantes.
    Beijos CM

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