terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ladainha

   No feriado, por mero acaso, entrei numa igreja na capital. Muito bonita sem dúvida, em plena baixa lisboeta. Gosto de igrejas. Gosto, não pelo peso da religiosidade que acarretam às costas, mas pelas magníficas obras arquitectónicas que são. Esta remonta ao século XVIII, estilo tardo-barroco, neo-clássico. As pinturas que tem no tecto representam as três «virtudes cardeais»: Fé, Esperança  e Caridade. O nome do templo remete para o nome de um santo (vulgarmente apelidado de Pai Natal).
  Para minha desgraça, ou melhor, para o enriquecimento do meu tédio, decorria uma missa... o habitual levanta-senta. Confesso que se outrora tinha paciência para respeitosamente cumprir o preceito, agora já não tenho, pelo contrário dá-me uma imensa vontade de rir ver tão degradante rito/frete repititivo... como é evidente não o fiz, sobretudo pelas pessoas que me acompanhavam e que não partilham, feliz ou infelizmente, desta  minha opinião.
  Impressionou-me sobretudo ver uma senhora de joelhos desnudados ajoelhada na pedra fria e secular. Mais do que isso impressionou-me ver um sem-abrigo em cada esquina, de cada rua, da Baixa.
  Dentro da igreja estava quente e cheirava a incenso. Enquanto a ladainha continuava, eu olhava à minha volta e fazia contas: Quantas pessoas sem casa caberiam naquela igreja? Quantos colchões seria possível abrigar naquele tecto? Eu já disse que na igreja estava quente?
  Quando chegou a altura em que a lengalenga é interrompida e fazem passar um saquinho para recolha de dinheiro... não consegui evitar o tal sorriso e imaginar que o saco deveria ser “azul“ e não vermelho.
 Na rua estava frio e a igreja, quente, ficou vazia. Se eu acreditasse Nele também acreditaria que Ele não gostaria que assim fosse. Certamente que preferia ver serem colocadas em práticas as tais «teóricas» virtudes, Fé, Esperança e Caridade, tão magnificamente representadas por um pintor, nesta igreja (do santo padroeiro das crianças e da pobreza); esta, que apenas serviu como exemplo, por eu lá ter entrado nesse dia, e em todas as outras por esse Mundo fora.
  Acreditaria, se fosse crente, que Ele, tal como eu, prefereria humanizar o catolicismo.

1 comentário:

  1. Que curioso! Como este Mundo é pequenino... Nesta mesma igreja que tão bem descreves, costumo atender a uma celebração católica e cristã, que me foi apresentada pelo A., a qual nada tem a ver com o senta-levanta e os saquinhos "azuis" ;-). Todas as sextas-feiras, pelas 19h30, 20h00, é celebrada uma Oração ao estilo de Tai-Zé ("têzê") e são incríveis a Paz e o Calor que, naquele espaço, se conseguem encontrar, entre as mais diversas pessoas, por entre cânticos e a mais simples e singela das orações, entre a meditação e a Fé.
    Quem sabe um dia nos encontraremos por lá... Até essa altura, deixo-te um abraço terno e caloroso, no desejo de aqui voltar e tornar a perder-me por esta nuvem de palavras feitas que me aquece e enternece o coração :-). Bjinhos***

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